Marcelo Colombelli Mezzomo
Bacharel em Direito pela UFSM - marcelo.colombelli@bol.com.br
Texto que trata da utilização da tutela cautelar como meio anômalo de obtenção da antecipação da tutela antecipatória, da aplicação da fungibilidade entre as tutelas e das conseqüências processuais da indevida invocação da cautela em lugar da antecipação
Sumário:
1- Introdução. 2- As funções jurisdicionais. 3- Fumus boni iuris e periculum in mora. 4- A Liminar Cautelar. 5- A Antecipação dos Efeitos da Tutela. 6- Pressupostos da antecipação dos Efeitos da Tutela. 7- As Cautelar Satisfativas.8- Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. 9- Subsistem as Cautelares Satisfativas?.10- Fungibilidade?. 11- Cautelar satisfativa e Impossibilidade Jurídica do Pedido. 12- Cautelares Típicas e Atípicas. 13- Panorama após a Lei 10.444. Fungibilidade? 14-Conclusões. 15- Bibliografia
1-Introdução
O processo é instrumento. Neste campo, mais do que em qualquer outro tem valia o brocardo "ex facto oritur ius", pois o processo enquanto instrumento, apresenta uma grande, maleabilidade ao contexto em que opera. Não podemos, contudo, olvidar que a norma de processo tem um caráter eminentemente público o que faz com que mesmo nos países que adotam um direito consuetudinário, as normas processuais tendam a adquirir um grau maior de estabilidade sem que isto possa infirmar o que acabamos de dizer acerca da adaptabilidade.
Esta natureza instrumental do processo considerada frente a um sem fim de situações que não encontram respaldo expresso na legislação faz com que o sistema sempre encontre saídas quando se encontra diante de situação não especificamente contemplada. Isto dá origem a remédios anômalos, as vezes aberrantes. Como exemplos podemos citar a utilização do mandado de segurança para conferir efeito suspensivo aos recursos, especialmente ao agravo de instrumento, e a utilização de cautelares satisfativas, o que discrepa frontalmente da função cautelar.
Objetivamos tratar deste último caso, ou seja, das cautelares satisfativas. Se outrora eram toleradas, hoje, ante a reforma do Código de Processo Civil, operada em meados da década passada e que instituiu a antecipação de tutela (rectius: dos efeitos da tutela), não se nos parece lícita a utilização de tal expediente. No entanto, vemos todos os dias ingressarem em juízo, ainda hoje, cautelares de cunho nitidamente satisfativo, espaço este que deveria estar sendo ocupado pela antecipação dos efeitos da tutela, prevista no artigo 273 do CPC.
A gravidade do problema é percebida mais claramente quando observamos que os requisitos para a obtenção da antecipação dos efeitos da tutela no processo de conhecimento são mais rígidos do que o juízo de mera verossimilhança requerido pela tutela cautelar. Logo, a utilização da cautelar satisfativa, implica, em última, análise, burla à lei. Não bastasse isto, há que notar que o processo de inspiração romano-canônica prestigia o valor da certeza, consequentemente os efeitos da tutela pretendida só podem ser outorgados após cognição plena e exauriente, significando dizer em profundidade e em extensão. A cautelar por seu turno, representa uma forma de sumarização por excelência, portanto uma forma de tutela incompatível com a antecipação de efeitos correspondentes aos buscados no processo acautelado. A subsistência da possibilidade de cautelares satisfativas é o nosso objeto de análise.
2- As funções jurisdicionais
O processo moderno estrutura-se em três distintas funções: conhecimento, cautela e execução. Não são estanques. Assim é que no processo de conhecimento, acolhida a classificação de Pontes de Miranda [1], temos sentenças excecutivas e mandamentais que prescindem de processo autônomo. Por outro lado, no processo de execução há incidentes tipicamente cautelares como o arresto, dito por Araken de Assis pré-penhora[2].
Nem sempre foi assim. A própria função cautelar é de construção dogmática recente. Surgiu da verificação de que a demora do trâmite processual poderia implicaria inutilidade da tutela pretendida. Com o advento do Estado Democrático Social de Direito, que preocupa-se em produzir uma tutela jurisdicional eficaz, efetiva, é bem de ver que o processo cautelar ganha maior importância.
Cumpre perpassarmos perfunctoriamente as três espécies de tutela para bem apreendermos algumas noções que nos serão úteis. O processo de conhecimento tem por base a cognição, o acertamento. Partimos de uma situação de incerteza que clama pela aplicação do Direito. Grosso modo, visa-se conhecer do caso e determinar a existência ou não de um direito subjetivo. O nosso processo está fundado sobre a doutrina de Carnelutti que se baseia na noção do litígio como o conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida[3]. Esta doutrina, dominante nos ordenamentos processuais de inspiração romano-canônica, faz com que o processo de conhecimento incida sempre sobre uma situação litigiosa. Acolhida a classificação de Pontes de Miranda, são identificáveis cinco eficácias sentenciais dentro do processo de conhecimento: declaratória, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental. Esta classificação, contudo passa longe de ser unanimidade dentro da processualística pátria, pois uma gama de autores bastante significativa considera que as eficácias mandamentais e executivas lato sensu nada mais são do que desdobramentos da eficácia condenatória. As eficácias mandamentais e executivas realmente muito se aproximam da condenação na medida em que impõe um comportamento positivo ou negativo, Diferenciam-se porque prescindem de outro processo( de execução) para fazer valer concretamente o comando da sentença, logo não há a formação de um titulo excutivo, como ocorre na condenação, não se podendo falar, da mesma forma, em uma execução forçada nos termos preconizados no livro II do CPC. Entre elas a diferença reside no fato de que se fala em sentença mandamental quando a ordem é dirigida a uma autoridade, como ocorre no mandado de segurança, ao passo que a sentença executiva volta-se a qualquer um que não detenha a qualidade de autoridade ou gente público, ou que o sendo, não esteja respondendo a este título. Exemplo típico destas últimas temos nas ações possessórias e nas ações de despejo. As sentenças declaratórias, ou também ditas declarativas, caracterizam-se pela declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, e, excepcionalmente de fato, neste último caso especificamente se referindo à declaração da falsidade de documento ( CPC, art. 4, inc. II). As sentenças declaratórias operam efeitos ex nunc, retroagindo no tempo, em ralação à data em que foram prolatadas, para atingir situações passadas cujo suporte fático irá dizer composto ou não. Nada há a executar nas sentenças declaratórias, mas já se alvitrou em doutrina que haveria imanente nesta espécie um comando dirigidos erga omnes o qual implicaria um dever de respeito e abriria caminho à providência tendentes a fazer observar este respeito. Tal posição é por demais forçada e não merece acolhida.
Respeito toda a sentença e todo o provimento jurisdicional merecem, operando-se erga omnes [4], e isto não deve ser confundido com a coisa julgada, que diz com a possibilidade de rediscussão entre outros que não foram partes no processo. Mas a sentença declaratória não acatada na verdade dará margem a um processo condenatório em obrigação de fazer ou de não fazer, não operando, per se stante, ação concreta capaz de caracterizar-se como execução de sentença. A sentença condenatória, por seu turno, acresce à declaração um "plus", um "quid" representado pela sanção, pela precetação, a qual declarando existente uma obrigação, abre, em caso de descumprimento por parte do devedor, a via da execução força, dita execução aparelhada, ao autor[5]. A movimentação do Estado-Juiz para cumprir a sanção insculpida no comando da sentença faz-se às instâncias do interessado, titular do direito reconhecido, ou a quem a lei atribua legitimidade. Há uma exceção ao princípio "nemo judice sine actore" no Direito do Trabalho em que a execução pode ser iniciada de ofício. Nos demais casos, cabe ao interessado dar inicio a uma nova relação processual, distinta , portanto, da primeira, representada pelo processo de execução, no bojo do qual a sanção se tornará efetivamente operativa.
Costuma-se dizer, e a doutrina o faz quase que unissonamente, que a sentença condenatória opera com efeitos ex tunc. Isto está errado. A nosso ver há que se separar a eficácia declaratória, que toda a sentença de condenação traz, da eficácia condenatória. Se a principal característica da condenação reside na constituição do titulo executivo, possibilitando a execução forçada, é bem de ver que tal só ocorre à partir da sentença e dali para frente. O que retroage é a eficácia declaratória que diz existente uma obrigação anterior à sentença, no entanto o efeito condenatório não vai até lá, passado, para criar um título e lhe atribuir executuvidade desde então. Esta não existe ex ante, senão após a sentença, embora atingindo a obrigação que é anterior e cuja existência é atestada pela própria sentença condenatória. Sempre que houver improcedência de um pedido condenatório, a sentença toma feição de declaratória negativa.
As sentenças constitutivas se caracterizam por criar, modificar ou extinguir relações jurídicas. Quando extinguem relações jurídicas são ditas constitutivas negativas ou desconstitutivas[6]. Casos típicos de sentenças constitutivas são as proferidas em ações de separação e divórcio e todas as ações anulatórias, quando julgadas procedentes. Quase sempre sentenças constitutivas têm vida em ações nas quais o resultado só pode ser obtido por via jurisdicional quando são sentenças "constitutivas necessárias". O efeito constitutivo, ou desconstitutivo, opera ex nunc, asssim como nas sentenças mandamentais e executivas, pois que só então opera-se no mundo jurídico os efeitos do comando sentencial.
Feita esta diferenciação, cumpre frisar que não existem sentenças puras em que se verifique somente uma eficácia. Como apontou Pontes de Miranda, quase sempre as sentenças têm ínsitas todas as eficácias. Construiu a partir desta premissa a classificação "quinária de constante quinze", pela qual são atribuídos valores de um a cinco para cada eficácia e cuja soma será sempre quinze, havendo sempre uma eficácia preponderante[7]. Assim sendo, as sentenças condenatórias teriam condenação cinco, declaratividade quatro, constitutividade três e assim por diante. Mas neste ponto concordamos com Ovídio Baptista da Silva quando afirma que embora seja verdade que nenhuma sentença seja pura, por outro lado não se pode dizer que estejam sempre presentes todas as eficácias. O usual é que estejam presentes sempre mais de uma eficácia, mas nem sempre todas elas, a não ser que se queira achar coisas onde não existem através de interpretações forçadas.
O processo de execução parte da premissa de um título executivo judicial ou extra judicial. A atividade preponderante nesta espécie de tutela não é cognitiva, mas satisfativa, tanto assim que Carnelutti falava no processo de conhecimento como sendo um processo de pretensão resistida, enquanto o processo de execução seria um processo de pretensão insatisfeita. Mas é erro afirmar-se que no processo de execução não exista cognição. Aliás o sentido de cognição, ligando-se ao de instrução, não é restrito a forma alguma de tutela com exclusivismo. O que se pode dizer é que no processo de execução não há lugar para uma cognição exauriente e que a cognição que nele se realiza não é a finalidade do processo, mas instrumento para que se cumpra sua finalidade. Explica-se a asserção mencionando-se que a atividade cognitiva está presente, exempli gratia, no recebimento da inicial. Neste momento, o magistrado irá ver se diante de si encontra-se um título judicial. Não irá, por certo, aprofundar-se na atividade investigativa, mas também não pode negligenciar na verificação de pressupostos processuais e condições da ação, e isto é cognição. Vê-se que a cognição não é a finalidade última deste espécie de tutela, mas é imprescindível a que o processo tenha seguimento.
Há, ainda, uma série de incidentes que podem eventualmente aparecer no próprio processo de execução. Recentemente ganhou corpo a utilização das exceções de pré-executividade, que na verdade já haviam sido referidas por Pontes de Miranda[8] pelo menos umas quatro décadas. As exceções de pré-executividade representam clara exceção ao princípio de que não haveria lugar para discussão acerca da execução senão em sede de embargos, que são, como sabido, uma ação incidental, porem de conteúdo autônomo e de eficácia desconstitutiva ou constitutiva negativa. Tem se dado uma amplitude exagerada ao âmbito de questões que podem ser veiculadas por via desta forma de oposição. Na verdade, uma vez que o processo de execução parte de um título executivo que goza de presunção "iuris tantum" de liquidez, exigibilidade, e certeza e que e via natural de oposição ao processo de execução é a ação de embargos, torna-se evidente que a matéria veiculada nas exceções da pré-executividade só pode versar matéria que poderia ser conhecida de ofício, em especial a referente aos pressupostos processuais e condições da ação. Caso contrário, estaríamos admitindo uma oposição com força de embargos no que diz respeito á possibilidade de elidir a ação executiva sem que, no entanto, houvesse necessidade de garantia do juízo pela penhora.
O processo de execução, como dissemos, é marcado por atividades satisfativas. Tais atividades manifestam-se por atos de agressão patrimonial buscando obter no patrimônio do devedor a satisfação da obrigação que deixou de cumprir, e que se encontra encartada em título executivo. O título executivo pode ser representado por sentença judicial, cível ou penal, ou por documento a que a lei atribua executividade. A diferença entra ambas as execuções reside na matéria veiculável no embargos, que no caso de título extrajudicial é mais ampla, haja vista o fato de não passado pelo crivo do poder judiciário. Como estamos diante de uma demanda satisfativa, a participação do executado é absolutamente dispensável o que não significa dizer que foram abolidos o contraditório e a ampla defesa. Por não ser a cognição a finalidade do processo de execução, a sentença nele proferida não tem o cunho de uma sentença de mérito, mas tem por finalidade tão somente declarar findo o processo. Aliter no processo de embargos, que é um processo de conhecimento. Contudo, a apelação interposta nos embargos não tem efeito suspensivo e julgados improcedentes, segue a execução em caráter definitivo.
O processo cautelar aparece como um tertium genus[9] que serve aos processo de execução e cautelar. O escopo do processo cautelar é o resguardo da eficácia da sentença a ser proferida em processo de execução ou das atividades satisfativas levadas a termo na execução. Tendo uma função assecurativa, não se presta o processo cautelar para a tentativa de obtenção de resultado equivalente ao pretendido no processo acautelado porque a cautela se presta a assegurar a eficácia do processo e não o direito material parte diretamente[10]. Este último só indiretamente é ressalvado. Da mesma forma, havendo uma função eminetemente garantiva, o processo cautelar dá vida a provimentos essencialmente provisórios e temporários pois que, estando a cautela umbilicalmente ligada a um processo principal, sua subsistência está condicionada á permanência da necessidade de segurança daquele. A aqui surge o problema da ausência de um processo a acautelar, como ocorre nas vistorias "ad prepetuam rei memoriam". A doutrina nacional, ligada a doutrina de Carnelutti, centrada na lide, não considera verdadeiras cautelares aquelas em que não haja lide. Todos os casos que figuram no livro III do CPC mas nos quais não se vislumbra lide são considerados casos de "cautelares administrativas" e portanto excluídos do exercício de jurisdição. Esta visão denota um apego a um processo privatista, próprio de um Liberal -iluminista e dos primórdios da ciência processual do século XIX. A moderna teoria processual busca se coadunar aos princípios de um Estado Social através da corrente instrumentalista[11]. A visão ortodoxa do processo está centrada sobre a noção de "ação", a visão vanguardista, ao revés, utiliza como centro de gravidade a jurisdição, o que demonstra uma tendência publicizante do processo.
O mesmo influxo publicizante se faz sentir sobre o processo que, para a doutrina tradicional, só existe frente á lide, caso contrário o que há é procedimento. Para a doutrina de vanguarda, processo existe desde que há procedimento animado pelo contraditório, logo existe processo mesmo em âmbito administrativo[12]. Nos filiamos a esta corrente pois acreditamos que o processo não se pode desvincular do modelo de Estado que se lhe dá aplicação. Para se verificar a unidade de processo e procedimento, formando na verdade um a só realidade, basta ver que os princípios atilados para o processo aplicam-se obrigatoriamente nos ditos "procedimentos". Formação de coisa julgada e lide não podem ser elementos para identificação do que seja processo e estabelecer uma distinção que não existe no plano ôntico.
Por isso achamos que ainda naqueles casos em que não exista um processo a acautelar em vista de ser proposto, há verdadeiras cautelares, e não cautelares administrativas, porque há exercício de jurisdição sempre que o Poder Judiciário aplica o Direito ao caso concreto, desde que não seja em atividade de administração de seus próprios serviços.
Obviamente não há formação de coisa julgada material no processo cautelar devido a sua função de instrumentalização de outro processo ou de uma situação dinâmica, e de sua natureza acautelatória, Cessado o motivo, deixa de existir a necessidade de manutenção do efeito cautelar. Interessa-nos mais de perto a possibilidade ou não de obtenção de efeitos idênticos aos almejados no processo principal acautelado, o que vem a ser o móvel da discórdia. Antes, porém, façamos uma análise da espécie de cognição realizada no bojo do processo cautelar.
3- Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora
O fumus boni iuris e o periculum in mora são comumente ditos pressupostos da cautela. Isto é um erro. Somente a utilização de um sentido não técnico ao vocábulo pressupostos ou requisitos podem ser acarretar esta associação. O periculum in mora e o fumus boni iuris são elementos do mérito da cautela. Antes de tratarmos deles, vejamos a espécie de cognição levada a efeito na cautela. A cognição levada a cabo no âmbito do processo cautelar, ao contrário do que ocorre no processo de conhecimento, não se baseia em um juízo de certeza, mas em um juízo de verossimilhança, portanto perfunctório, superficial. Aqui cabe distinguir a cognição exauriente da cognição sumária. A cognição dentro do processo pode sofrer limitações em profundidade (vertical) ou em extensão ( horizontal). No primeiro caso pode ser exauriente ou sumária. No segundo plena ou parcial. Quando tratamos de cognição parcial, temos diante de nós um caso em que há uma limitação quanto às questões que serão apreciadas e que estão envoltas na lide. Mas aquelas que forem apreciadas o serão através de uma cognição aprofundada ou seja mediante uma investigação de um suporte probatório produzido com ou sem limitações sem limitações quanto à matéria. Permitir-se-á a produção plena de provas e o juiz conhecerá delas sem limitações, emitindo, a fim e ao cabo, um juízo de certeza, que corresponde a uma situação de máximo convencimento acerca das soluções dadas às questões que lhe foram submetidas, apto a formar coisa julgada(cognição exauriente), ou ao contrário teremos em relação a estas questões uma cognição sumária(limitação em sentido vertical). Mas enfim, só algumas questões serão tratadas frente ao todo da demanda. Exemplo temos nas ações possessórias, em que só a posse está em questão, abstraindo-se juízos acerca da propriedade. Assim também nas ações de divórcio conversão, em que a lei expressamente limita as questões a serrem tratadas. A cognição plena, a contrario sensu, abrange a totalidade de questões que compõe a demanda, sendo o modelo de cognição tipo do processo de conhecimento de rito ordinário.
Quando falamos de limitações quanto à profundidade não estamos nos referindo às questões da matéria objeto do processo, mas sim a limite na atividade investigativa que será realiza frente a cada qual das questões. Não há exclusão de nenhum questão, entendida questão como o ponto de fato ou de direito controvertido. Mas quando da investigação realizada no material objeto de análise, está será realizada de forma superficial, perfunctória, não aprofundada, ou ao contrário será aprofundada e ilimitada, dando ensanchas respectivamente a juízos de verosimilhança ou de certeza. O convencimento, em uma e outra situação, varia de intensidade, indo da probabilidade à certeza.
Vale notar. Como já referimos, que são possíveis combinações de cognição sumária plena, sumária parcial; exauriente parcial e exauriente plena. No processo cautelar, em regra temos cognição sumária plena, com limitação em profundidade, não em extensão. No processo cautelar, temos uma cognição sumária e via de regra plena. Logo a limitação é no sentido vertical, não horizontal. Conhece-se a íntegra das questões da demanda cautelar sem contudo que tal conhecimento seja em profundidade.
Visto este aspecto, estamos prontos a lançar algumas luzes acerca do fumus boni iuris e do periculum in mora. Fumus boni iuris, literalmente fumaça do bom direito, diz respeito à verossimilhança do direito acautelado. Faz referência à plausibiliade[13] do direito que se quer acautelar, levando-se em conta regras de lógica , máximas da experiência e o direito posto[14]. A aferição tomará em linha de conta o direto "in statu assertionis" [15]com referência a uma hipótese concreta, ou seja tomando os dados do caso concreto e não uma situação completamente abstrata. É preciso grande atenção neste ponto porque o fumus boni iuris não se refere, como pode parecer ao observador menos atento, aos fundamentos da cautela, representados pela situação de risco e pala necessidade de intervenção preventiva do judiciário. A referência ao direito acautelado se faz necessária porque não seria legítima a concessão de proteção a um direito que, ainda sob a forma de mera pretensão, se afigura inadmissível frente ao ordenamento. Assim sendo, se me irrogo a condição de credor para pedir arresto ou sequestro, tenho que fazer menção a uma obrigação com os requisitos que a lei imprime para a concessão do sequestro. É sobre este direito material, que será objeto da ação acautelada, ou que constitui a situação sobre a qual incide a cautela, que se refere a fumaça do bom direto, que se caracteriza pela viabilidade dele frente ao ordenamento.
Já no periculum in mora encontram-se a situação de risco que demanda a cautela associada ao perigo de demora em obtenção de uma tutela através do processo de conhecimento ou de execução. Na situação de um sequestro com a qual trabalhamos anteriormente, teríamos verbi gratia a alienação do patrimônio pelo devedor e o risco de que a execução não alcance seu desiderato devido á demora da penhora. Também poderíamos citar o exemplo de ação reipersecutória em que a permanência do bem em mãos de uma das partes pode representar risco de perecimento. Neste caso, pode ser pedida o depósito do bem, se houver risco em decorrência da demora. Dentro do periculum in mora identificamos, portanto, duas situações, uma representando um evento, ato ou fato jurídico que pode por em risco o bem da vida pretendido; outra representado pelo fator temporal e que se materializa na premência de intervenção posto que a via ordinária do processo de execução ou de conhecimento não será suficientemente célere para impedir a consumação do risco. Aqui, no periculum in mora, iremos encontrar a invocação dos dispositivos pertinentes e constantes do livro de processo cautelar, que representaram o fundamento legal da tutela. O fundamento de fato é composto pelos fatores já mencionados do provável evento danoso e da premência temporal.
Agregados a fumaça do bom direito e o perigo na demora, literalmente traduzidos, correspondendo ao direito acautelado (fumus boni iuris), à situação danosa provável e ao perigo da demora (periculum in mora), a cautelar poderá ter acolhida, julgando-se-lhe o mérito.
4- A Liminar Cautelar
Mas o processo cautelar admite também a tutela liminar. Costuma-se ligar a liminar ao provimento antecipatório proferido ab initio no processo, mesmo porque in limine equivale a dizer ao pórtico, no inicio. Mas não é tão simples. Primeiramente há que se observar que a liminar representa sempre a antecipação dos efeitos pretendidos no processo em que é proferida[16]. Logo, a liminar cautelar antecipa os efeitos da tutela cautelar pretendida. A antecipação de tutela prevista no artigo 273 do CPC antecipa os efeitos da tutela de conhecimento pretendida: a liminar em mandado de segurança a eficácia mandamental que lhe é inerente e assim por diante. Mas nem sempre a liminar é concedida no pórtico do processo, podendo ocorrer até mesmo na fase recursal. Conceder liminar é antecipar. Mas antecipar a que? Ora antecipar ao momento em que o procedimento reconhece como o normal para o pronunciamento acerca daquela questão que se vê antecipado. Deste modo, é liminar o provimento decisório que concedesse os efeitos pretendidos pouco antes da sentença definitiva mesmo que o processo já esteja tramitando a muito tempo. Da mesma forma, provimento liminares podem ocorrer em sede recursal, obviamente dirigidos ao tribunal competente e não mais ao juízo a quo. Mas como o recurso, na opinião dominante (e correta) não instaura um novo processo, o provimento que antecipa efeitos da tutela recursal pretendida é denominado liminar. Exemplo é a concessão de efeito suspensivo a recursos que não o tem a teor do artigo 558 do CPC.
A liminar cautelar apresenta, no entanto peculiaridades. Isto ocorre porque a cautelar já é ela própria uma medida preventiva e isto implica requisito diferente à concessão das liminares em geral. Geralmente, a concessão de liminar esta arrimada na presença de fumus boni iuris e periculum in mora. Porém, no caso das cautelares, apreciar estes elementos equivale a julgar-lhes o mérito. Se para concessão da liminar cautelar fossem estes os seus requisitos, estaríamos frente a um julgamento de mérito posto que a cognição da cautelar já é sumária. Daí que para a concessão da liminar cautelar o requisito reside na possibilidade de que o réu citado possa tornar ineficaz o provimento. Nota-se que a liminar cautelar, além de representar uma antecipação de efeitos da tutela pretendida, ainda traz como característica marcante uma postergação do contraditório, o que não ocorrerá necessariamente nas demais liminares.
Tal se dessume da dicção do artigo 804 do CPC; "É lícito ao juiz conceder liminarmente, ou após justificação prévia sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz, caso em que poderá determinar que o requerente preste caução, real ou fidejussória, de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer". É visível a impropriedade de falar em "liminarmente ou após justificação". Não é pela existência de justificação que o provimento deixa de ser liminar, e se o legislador descurou-se disto foi por tomar o termo liminar naquela acepção a que fizemos referência, ou seja, de provimento ao pórtico do processo. De qualquer forma, nota-se que conceder liminar cautelar é conceder provimento sem ouvida do réu. A justificação a que se faz menção é a do requerente. Chamar o requerido à justificação equivaleria a citá-lo para responder á própria cautelar, pois o tempo de reposta é exíguo e a matéria versada na justificação seria tout court a mesma discutida no mérito. Vejamos as manifestações doutrinárias a respeito.
Pontes de Miranda afirma:“A lei permite, excepcionalmente, que se defira o pedido de medida cautelar nom audita altera parte . Não dispensou afirmação e prova de motivo.; não dispensou, portanto, o elemento de convicção. se a medida , ouvida a outra parte, se tornaria ineficiente , tem ele por si o artigo 804. A velha praxe satisfazia-se com a prova documental com o que os juristas chamavam ‘justificação prévia’, ouvidas as testemunhas que mais pudessem dar prova dos motivos, da urgência e do segredo da medida. Não se desatenda a que a lei supõe cognição incompleta, sim, mas em todo o caso cognição. Não lhe apraz prodigar medidas cautelares. Naturalmente, o artigo 131 tem aí larga aplicação. A prova varia conforme a natureza da causa, e elemento, que na causa principal ou no processo subsequente não bastariam, possuem valor que o juiz lhes reconheça, segundo os princípios. O que pede tem ônus de afirmar e provar, ainda que possa o juiz levar em conta fatos e circunstâncias constantes dos autos, embora não alegadas pela parte.”[17]
Para Galeno Lacerda:“O juiz não pode conceder segurança prévia nas cautelares jurisdicionais, se inexistentes os pressupostos da própria cautela. Assim, se impossível esta porque a lei não a permite, se ilegítima as partes para a causa, ou se não houver interesse específico resultante do periculum in mora , ou se se apresentar duvidoso o fumus boni iurus .As liminares, como antecipação provisória da sentença cautelar somente cabem na cautela jurisdicional, antecedente ou incidente. Decretam-se sem audiência do réu, antes da citação, quando o juiz, pela exposição dos fatos, documentos produzidos, justificação exigida, ou demais elementos chegar à convicção de que, com a citação, poderá o demandado tornar ineficaz a medida, pela alienação, subtração ou destruição do respectivo objeto, ou por qualquer outro meio de oposição direta ou indireta à providência, capaz de causar dano à parte”[18]
Ernane Fidélis dos Santos leciona que: “O juiz pode conceder liminarmente a medida cautelar, com ou sem justificação. Portanto, poderá ouvir o requerido, mas se houver suspeita de que, com a citação antecedente, seja de antecipação da medida, seja para que o citado acompanhe a justificação, possa ela tornar-se ineficaz, ao juiz é permitido deferir a cautela, dispensando o contraditório nesta fase”[19]
Barbosa Moreira, de seu turno, opina que: "Alude o art. 804 à possibilidade de que o réu, sendo citado, torne ineficaz a providência; mas deve entender-se que a concessão liminar se legitima sempre que, nas circunstâncias, se mostra necessária para preservar o suposto direito ameaçado quer parte do réu, quer não a ameaça, configurável até em fato da natureza.”[20]
Humberto Theodoro Júnior é da opinião seguinte: “As medidas cautelares representam, quase sempre, restrições de direito e imposição de deveres extraordinários ao requerido. Reclamam, por isso, demonstração, ainda que sumária, dos requisitos legais previstos para a providência restritiva excepcional que tendem a concretizar, requisitos esses que devem ser apurados em contraditório segundo princípio geral que norteia todo o espírito do Código. Muitas vezes, porém, a audiência da parte contrária levaria a frustrar a finalidade da própria tutela preventiva, pois daria ensejo ao litigante de má-fé justamente a acelerar a realização do ato temido em detrimento dos interesses em risco. Atento à finalidade preventiva do processo cautelar, o Código permite ao juiz conceder a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz(Art. 804). Essas medidas excepcionais podem ser autorizadas, tanto na ação cautelar incidente como na precedente e não dispensam a demonstração sumária dos pressupostos necessários para a tutela preventiva"[21]
Ovídio Baptista da Silva faz uma procedente crítica ao descaso com que a matéria é tratada: " Aqui também os abusos que ase cometem na prática forense são enormes.Os juizes não só não justificam suas liminares como nem mesmo investiam a existência deste requisito, e nem os requerentes de liminares se preocupam seriamente com a demonstração do risco de frustração da medida decorrente da citação do demandado."[22]
Como se pode observar, somente a manifestação de Ernane Fidélis do Santos discrepa da opinião que esposamos. Mais adiante se verá o grave problema que surge da utilização de liminar em cautelares satisfativas. O que deve ser apreendido pelo leitor é que a liminar cautelar toma contornos e feições diferenciadas exatamente pela natureza da tutela cautelar que já é, ela própria, preventiva. A liminar é, consequentemente, prevenção dentro da prevenção, e só se justifica quando houver demonstração de que a citação do requerido implicará provável possibilidade de que tome providência para inutilizar o provimento de mérito. Pensar-se diferente implica conceder ao decisum acerca da liminar conteúdo equivalente ao proferido na decisão final de mérito, pois no processo cautelar o prazo de resposta é extremamente curto e o acompanhamento de justificação, ou a reposta á liminar fora da própria contestação, seria o mesmo que contestar o próprio mérito.
5- A Antecipação dos Efeitos da Tutela.
Não se pode falar na antecipação prevista no artigo 273 do CPC sem antes se fazer menção à correta observação de Ovídio Baptista da Silva que nos demonstra que os que se antecipa são os efeitos da tutela[23]. No mesmo diapasão certifica Teori Albino Zawascki, verbis: "O que se antecipa não é propriamente a certificação do direito, nem a constituição e tampouco a condenação porventura pretendidas como tutela definitiva. Antecipa-se, isto sim, os efeitos executivos daquela tutela". Destarte, não é a sentença que é antecipada, mas sim efeitos dela, não todos, mas somente alguns, os necessários para que sejam evitadas as circunstâncias elencadas no dispositivo perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e abuso do direito de defesa.
A ratio assendi do novel, agora não tão novel assim, dispositivo, introduzido pela Lei 8.952/94 é atentar para o tempo como elemento fundamental do processo. Já lembra o alvitre de Luis Guilherme Marinoni que assim como a técnica processual se utiliza do ônus probandi para buscar o equilíbrio entre as partes, também o tempo deve ser sopesado como elemento a ser utilizado para romper o desequilíbrio entre as partes, imputando-se os seus efeitos ao réu que evidentemente não tem razão. De fato, o modo como está estruturado nosso processo, e os sistemas processuais ocidentais de origem romano-canônica de um modo geral, prestigia o valor da certeza em detrimento da celeridade. De certo modo, esta circunstância se deve em muito à filosofia Liberal -Iluminista, para a qual a segurança seria um fator extremamente desejável para os negócios. Isto se explica quando observamos que o modelo econômico do Estado Iluminista se fundamenta na economia de mercado. Sem segurança o funcionamento do modelo econômico estaria comprometido.
Este fator, associado à retomada dos modelos romanos levada a termo pela pandectística aparecem como fatores de causação de um processo que prestigia a segurança ( a actio) e só excepcionalmente as tutelas sumárias ou injuncionais (interdictum). Assim como em Roma a actio, modelo de tutela ordinária, suplantou o interdictum do praetor, modelo de tutela sumária, também o processo moderno se viu compelido à observância deste modelo.
Ocorre que este modelo de Estado veio cedendo no transcurso de século passado ao Estado Social de Direito. Especificamente no campo jurisdicional, a característica marcante do novo modelo de Estado, e que é o compromisso de tornar efetivos os direitos, transcedendo de uma perspectiva formal para uma concreta, material, faz-se sentir na tentativa de tornar a tutela jurisdicional efetiva, produzindo realmente a satisfação daqueles que têm às portas do judiciário. Trata-se de observar o fenômeno jurisdicional sob a ótica do consumidor da jurisdição. Para o Estado Social, não basta construir um sistema formalmente apto a corresponder às expectativas dos jurisdicionados. É preciso que o processo esteja realmente propiciando uma correta aplicação da lei. Mas nosso atual processo ainda está muito apegado a uma doutrina construída sob os auspícios da filosofia liberal , do modelo de Estado-liberal e de Jurisdição que ele preconiza. A ação está ao centro de nossa teoria processual que possui uma perspectiva irrefragavelmente privatista. Cedo ou tarde haveria de irromper um conflito entre a realidade sócio-política e o processo. Basta vermos que hoje há direitos coletivos, trans-individuais, difusos, que rompem com o esquema tradcional do processo e tornam a noção de lide inútil, pois não há um titular certo para a "pretensão resitida". Ao nosso atual CPC, com a redação que possuía antes da reforma processual, por outro lado, não pode ser lançada a pecha de uma total cegueira aos novos tempos. Há sem dúvida inúmeros dispositivos que se coadunam perfeitamente à nova teria processual. Mas sem dúvida carecia de uma reforma. E isto foi feito em meados da década de noventa através de um movimento capitaneado pelos Ministros do STJ Athos de Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, tendo-se então, introduzido a antecipação dos efeitos da tutela como medida de, rompendo com o esquema tradicional da ordinariedade e da segurança, prestigiar a celeridade e principalmente a efetividade, que é a pedra de toque da jurisdição de um Estado Social.
Há, é certo e não se pode negar, um conflito de valores constitucionais. Segurança e efetividade se opõe. De um lado o inc. XXXV do artigo 5º da CF/88. de outro o inc. LV do mesmo artigo, ou, traduzindo o direito do autor a uma tutela efetiva e o direito do réu a uma ampla defesa. Na verdade os conflitos de valores constitucionais não são novidade dentro do texto das constituições. O problema , in casu, é que estamos diante de valores de igual envergadura e não houve no texto da Constituição indício de opção por um ou por outro, e um deles tem que ceder. Qual? O momento indicará aquele mais consentâneo à realidade. Se nos parece que no momento caminha-se para prestigiar-se a efetividade e a celeridade em detrimento da certeza o que aliás pode ser visto não só aqui como em ouras nações que adotam o mesmo modelo jurídico, cujo exemplo mais gritante é a Itália, onde ma reforma no início dos anos noventa procurou introduzir tutelas injuncionais e execução imediata a algumas espécies de sentenças, dentre ouras medidas, na busca de celeridade.
6- Pressupostos da Antecipação dos Efeitos da Tutela.
Este é um ponto de capital importância para nossa análise conforme adiante se verá. Não podemos passar adiante em nossa análise sem verificarmos quais são os requisitos da antecipação de tutela, ou seja, em que condições será deferida. Tais elementos encontram-se no artigo 273 do CPC e passaremos a analisá-los doravante. Reza o artigo citado: "Art. 273- O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I- haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II- Fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manisfesto propósito protelatório do réu. § 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento. § 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º A execução da tutela antecipada observará , no couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588. § 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º Concedida ou não a antecipação de tutela, prosseguirá o processo até final julgamento"
Primeiro ponto que salta à vista é o de que a antecipação dos efeitos da tutela carece de provocação da parte, a contrario sensu dos provimentos cautelares (não medidas) que podem ser tomados ex offício pelo magistrado com base no poder geral de cautela[24]. A referência à antecipar a tutela pretendida no pedido inicial é equivoca. Como dissemos, não se antecipa a tutela, mas apenas alguns de seus efeitos práticos. Mas o grande diferencial à cautela, sob o ponto de vista dos requisitos, reside na necessidade de prova inequívoca. O juízo de verossimilhança que resulta da prova inequívoca possui um grau de convencimento bem mais consistente que o juízo de mera verossimilhança das cautelares. Prova inequívoca, a rigor, é a prova capaz gerar um juízo de certeza próprio da cognição exauriente[25]. No entanto, a cognição levada a efeito para a antecipação dos efeitos da tutela é sumária. Não haveria aí uma incongruência ao falar-se em prova inequívoca e em juízo de verossimilhança[26]? Não. Pode resultar de uma cognição sumária um juízo de certeza sem problema algum. Sumariedade ou exauriência dizem com a profundidade da investigação levada a termo e não necessariamente com o grau de convencimento equivalente a probabilidade ou certeza. É claro que quase sempre a certeza exsurge de uma cognição exauriente e a verossimilhança, enquanto mera probabilidade, de uma cognição sumária. Mas nem sempre.
Podemos ter uma cognição exauriente da qual resulte mera probabilidade e então o julgamento será de improcedência. Da mesma forma, poderemos ter uma cognição sumária com o resultado de um grau de convencimento equivalente à certeza e neste caso as chances de um julgamento procedente, após uma cognição mais profunda, é muito grande. Mas é preciso que se diga que, conforme visto, a tradição de nosso processo é a de que juízo de certeza apto a conceder um julgamento de procedência só tem cabimento após uma cognição exauriente, entendida como aquela em que há um aprofundamento na investigação e a ampla participação dos contenedores. Por isso, os juízo que resultam de prova inequívoca realizados em cognição sumária não são exatamente equivalentes ao juízo que resulta das mesmas provas realizados em cognição exauriente, embora se pudesse dizer já na cognição sumária, que ao direito pleiteado realmente fazia jus o postulante.
Temos de compreender então a referência simultânea a prova inequívoca da qual só resulta, no entanto, juízo de verosimilhança em vista da espécie de cognição que é sumária. Em geral a prova inequívoca dá suporte a um juízo de certeza. Mas para que isto ocorra é necessária a realização de uma cognição exauriente, ou seja cognição de rito ordinário via de regra, e tal só ocorre após o regular trâmite processual, assegurada a ampla defesa, o contraditório e a produção de material probatório pela parte atingida pela antecipação de tutela. Deste modo, consoante a letra do dispositivo o que temos é um caso de uma cognição sumária que leva em linha de conta prova inequívoca. A diferença entre o juízo daí resultante quanto ao convencimento, e aquele que resultará ao fim do processo está unicamente relacionada ao fato que o juízo resultante ao fim do processo é o culminar de um procedimento de investigação mais aprofundada e em cujo bojo foi plenamente franqueada a participação do réu. Neste juízo de antecipação de efeitos de tutela, sumário, pode até surgir clara a procedência de um eventual juízo final, mas como está prevista uma cognição mais consistente não se pode efetuar o julgamento desde já, reservando-se este para uma fase em que haja cognição exauriente, mesmo que a conclusão a que lá se vai chegar já se saiba será a mesma. Portanto a presença de prova inequívoca gera na consciência do julgador na prática certeza, ou seja, grau de convencimento equivalente ao que teria em cognição exauriente, posto que o direito se apresenta evidente. Mas juridicamente, como está prevista uma cognição exauriente posterior, esta certeza de fato só permite antecipar os efeitos em caráter provisório.
A certeza jurídica, ou seja, aquela que aos olhos do direito é capaz de embasar um julgamento definitivo de mérito só surgirá com a cognição exauriente ainda que se saiba desde já que seu resultado será igual ao obtido na cognição sumária. Conclui-se que o que o dispositivo quer é que em sede de cognição sumária resulte um grau de convencimento equivalente na prática ao que será de ter-se em cognição exauriente haja vista a clarevidência do direito[27].
O que aqui se nota é que na verdade não estamos diante de outra coisa senão do fumus boni iuris, mas aqui não um fumus boni iuris de feição cautelar[28] que tem característica de um juízo perfunctório. Estamos sim, diante de um fumus boni iuris, enquanto juízo, mais consistente porque lá, no processo cautelar, não há necessidade de prova inequívoca e do juízo realizado não resulta certeza nem prática nem de direito. A fumaça de bom direito que resulta de uma prova inequívoca é na pratica equivalente a um juízo de certeza, logo não é uma mera fumaça, mas sim o reconhecimento da materialidade do direito, que só não é juridicamente tratada como tal porque resulta de uma cognição sumária e provisória. Só um direito que se mostre previamente às escancarras é que pode dar margem à antecipação de tutela. Há uma verossimilhança jurídica, mas um a certeza de fato, porque a prova inequívoca demonstra que o resultado do julgamento final será fatalmente o mesmo.
Mas não basta que haja uma certeza de fato que surgiu de um juízo de cognição sumária devido á evidência verificável prima facie do direito pleiteado. Uma vez que estamos presos a tradição romano-canônica, ainda neste caso não se legitima á luz do direito positivo vigente que se subverta o iter a ser percorrido para a concessão definitiva do direito. É preciso que se verifique que há a probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação[29], e note-se bem esta probabilidade deve se revestir da feição de "fundado receio" . Logo não basta a mera invocação genérica de dano, sendo necessário que da situação narrada se possa concluir que há um grau grande de probabilidade de que este dano venha a ocorrer e que ele seja irreparável ou de difícil reparação. Alternativamente deve ocorrer hipótese de manifesto propósito protelatório do réu. A bem da verdade o propósito protelatório nada mais é do que uma forma de abuso do direito de defesa. Neste caso estaremos diante de uma situação em que o réu sustenta uma defesa absolutamente descabida, insustentável, inadmissível primu ictu oculi frente ao ordenamento jurídico.
O parágrafo primeiro do dispositivo é uma superfetação inútil, posto que a Constituição já determina, em seu artigo 93, inc. IX, que todas as decisões judiciais deverão ser fundamentadas e decisão mal fundamentada é decisão sem fundamentação. O parágrafo segundo nos traz limitação que diz respeito a reversibilidade dos efeitos. Se houver irreversibilidade dos efeitos não se poderá antecipá-los em que pese a certeza de fato de que o autor tem razão. Adverte Calmon de Passos acerca da concessão de antecipação de tutela em casos de irreversibilidade: “Admitir a antecipação do que será irreversível é transformar em definitiva uma execução que dessa natureza não se pode revestir ou se colocar o executado, dada a falta da caução, sem garantia de ressarcimento”[30] Em outro trecho, o citado autor preleciona que: "O que disciplina o art. 273 do Código de Processo Civil, pelo amor de todos os deuses (invocar um só insuficiente) não significa a permissibilidade de se requerer liminar em todo e qualquer processo e de o juiz concedê-la com generosidade ímpar, convencido de que o réu, no processo, um sujeito indesejável, que põe obstáculos à celeridade da justiça, sua efetividade, sua instrumentalização, sua eficácia decisiva etc."[31]. No mesmo diapasão Cândido Rangel Dinamarco afirma que:“ É preciso receber com cuidado o alvitre de Marinoni para quem se legitimaria o sacrifício do direito menos prol da antecipação do exercício ‘de outro que pareça provável’. O direito não tolera o sacrifício de direito algum e o máximo que se pode dizer é que algum risco de lesão pode-se legitimamente admitir. O direito improvável é direito que talvez exista e, se existir, é porque na realidade inexiste aquele que era provável. O monografista fala da coexistência entre princípio da probabilidade e da proporcionalidade, de modo a permitir-se o sacrifício de bem menos valioso em prol do mais valioso. Mesmo com essa atenuante, não deve o juiz correr riscos e, muito menos expor o réu aos males da irreversibilidade , expressamente vetados pela lei vigente(art. 273, parágrafo 2º)"[32]
O parágrafo terceiro manda aplicar a antecipação de tutela as disposições dos inc. II e III do artigo 588 do CPC. Isto faz com que a antecipação fique limitada, não indo até atos que importem alienação de domínio e requerendo-se caução para o levantamento de dinheiro, de um lado e, de outro, determinando o retorno ao status quo ante uma vez que sobrevenha sentença que modifique o conteúdo da decisão antecipatória.
O parágrafo 4º deixa bem clara a natureza provisória da antecipação os efeitos da tutela que pode ser revogada a qualquer tempo. Mais uma vez a inútil referência à necessidade de fundamentação. Por fim o parágrafo 5º determina que concedida ou não a antecipação o processo prosseguirá. O que também era desnecessário dizer pois caso contrário a antecipação se transmutaria em verdadeira sentença definitiva.
Na prática, estas disposições comportam alguns temperamentos. Um dos exemplos mais claros reside na antecipação de efeitos revestidos de irreversibilidade quando esteja em jogo, verbi gratia, a vida do postulante, necessitando de tratamento médico ou medicamento. Nestes casos a confluência de valores superiores em confronto coma letra da lei tem o condão de desbordá-la, elidindo a sua aplicação[33]. É por outro lado interessante observar como a tradição da ordinarização está arraigada em nosso processo. Mesmo ante a insofismável procedência do pedido do autor, a lei não se contenta com a sua prova, requerendo o abuso de direito ou o propósito protelatório, fazendo conscientemente com que o tempo jogue a favor do réu que não tem razão.
O que há de ficar desta nossa análise, em especial, é a maior rigidez dos requisitos da antecipação de efeitos da tutela. Reconhecida que seja a possibilidade de cautelares satisfativas, ou seja, provimentos cautelares que antecipam efeitos da tutela pretendida ( que deveria sê-lo) em processo acautelado, é de se notar que não há, a priori, vedações quanto a irreversibilidade dos efeitos. Tampouco se fala em aplicação dos incisos do artigo 588. Logo, a cautelar satisfativa obtém o mesmo resultado prático da antecipação os efeitos da tutela sem os mesmo óbices.
7- As Cautelares Satisfativas.
O processo é instrumento e como tal se amolda às necessidades das contingências às quais é aplicado. Há como em todos os ramos do Direito uma incessante luta entre a norma e a realidade, aquela tentando inutilmente acompanhar esta. Esta diferença se faz sentir com muito maior intensidade nos ordenamentos positivados em que a lei escrita demanda um processo de produção mais demorado. Nos sistemas desenvolvidos sob a influência do direito consuetudinário, como é o caso dos países de tradição anglo-saxã, o Direito se amolda com maior facilidade à realidade, e o fenômeno de tensão permanente entre realidade e o direito que visa abarcá-la decresce de intensidade.
Quando o direito positivo não consegue acompanhar a realidade e a diferença entre um e outro atinge um ponto crítico, o sistema trata de compor remédios anômalos a fim de não deixar estas situações não previstas inermes ao manto jurídico. Estes remédios anômalos geralmente não surgem ex nihilo mas representam, outrossim, deturpações de institutos já existentes. Como exemplo podemos citar a utilização do mandado de segurança para a obtenção de efeito suspensivo em recursos para os quis não estava previsto, principalmente no caso do agravo, e a utilização de cautelares satisfativas. Ambos os casos representavam aberrações dentro da sistemática processual pátria, mas eram tolerados por que não se poderia simplesmente ignorar que em alguns casos não contemplados no permissivo legal pertinente (art. 558 do CPC) havia risco de produção de danos de difícil reparação, quiçá irreparáveis, não fosse concedido efeito suspensivo ao agravo que a princípio não teria. Da mesma forma, em certos casos, ante a impossibilidade legal de antecipação dos efeitos da tutela de conhecimento que correspondessem aos próprios efeitos da tutela pretendida, era de se admitir a cautelar satisfativa, saída que, aberrante, era a que menos agredia a lógica dos sistema.
Assim, por muitos anos foram toleradas tanto as cautelares satisfativas[34] quanto o uso de mandado de segurança para a obtenção de efeito suspensivo. Mas o processo legislativo haveria de abarcar tais lacunas e o fez na reforma processual de 1994, criando a antecipação dos efeitos da tutela e a ampliação da possibilidade de concessão de efeito suspensivo ao agravo, ampliando inclusive para as sentenças do artigo 520 do CPC este possibilidade[35]. O objetivo da reforma neste ponto era um só, expressamente exposto aliás: acabar com os instrumentos anômalos criando disciplina específica para ambas as situações dentre tantas outras contempladas no plano de reforma.
As cautelares satisfativas, aquelas nas quais durante muito tempo o jurisdicionado buscava antecipar efeitos da tutela de conhecimento a ser buscada no processo acautelado, deveriam estar proscritas a partir do artigo 273 do CPC, mas isto não ocorreu, restando ainda quem use deste anomalia, sob os auspícios de magistrados desatentos, para obter uma verdadeira antecipação dos efeitos da tutela de conhecimento no bojo de uma cautela sem necessidade de observância da mais rígida disciplina das antecipações após a reforma.
8- Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória.
As diferenças entre tutela cautelar e antecipação de tutela são gritantes. Em uma frase se pode resumir o abismo que as separa: cautela é segurança para a execução. Antecipação é execução para a segurança. De fato, embora senso largo se possa vislumbrar uma função acautelatória[36] na antecipação de tutela, ela corresponde a um verdadeira execução, ou seja uma execução antecipada dos efeitos pretendidos no próprio processo em que se verifica. Por aí se vê que quando se fala em fumus bini iuris na antecipação, ao contrário do que ocorre na cautela, estamos falando em verossimilhança do direito objeto do próprio processo em andamento e não de objeto de futuro processo. A finalidade principal da antecipação não é acautelar, mas sim a satisfação do direito. Também se pode falar em diferenças quanto à provisoriedade e temporariedade. Tanto a antecipação quanto a cautela destinadas a ter duração efêmera no tempo.
Mas quanto à cautela fala-se em temporariedade pois durará enquanto perdurar o risco que visa evitar[37]. Já a antecipação é provisória pois o provimento antecipatório está destinado a ser substituído pela sentença definitiva a ser prolatada no âmbito do mesmo processo.
Além disto, as cautelares, que podem ser incidentes a um processo de conhecimento ou preparatórias, e portanto prévias ao processo acautelado, dão origem a uma relação processual distinta, fato este que não ocorre na antecipação, que é um incidente "intraneus" ao processo de conhecimento. Mas as principais diferenças que nos interessam, a par da natureza ontologicamente diversa das cautelas e antecipações, está nos requisitos, pois estamos levando em conta para fins de análise a possibilidade de cautelares satisfativas, que tendo efeito prático equivalente à antecipação de tutela, tornam, na prática, inexistentes as diferenças retrocitadas.
Com efeito, admitida a acautelar satisfativa, seus resultados tornam-se em tudo semelhantes a uma tutela de conhecimento, inclusive quanto à imutabilidade que pode ocorrer naqueles casos de irreversibilidade fática dos resultados. Em algumas relações instantâneas, a só ocorrência de um fato tem como conseqüência esvaziar todo o conteúdo desta relação. Nestes casos, obtida uma tutela cautelar que implicasse na ocorrência de dito fato, teríamos produzido uma imutabilidade de fato equivalente à coisa julgada. É claro que sempre haverá o caminho das perdas e danos, mas como modernamente se busca a execução específica, realçando a natureza de sucedâneo das perdas e danos, e tendo direito a parte ao retorno do status quo ante, ainda que obtenha um ressarcimento de prejuízos ainda assim subsistirá um gravame de não ter obtido exatamente o que teria se não houvesse a antecipação de efeitos da tutela, quer pela via normal quer pela via anômala. Isto ocorre em todos os casos de irreversibilidade. Dir-se-á que isto também ocorre na antecipação de tutela. É certo, mas os requisitos para a antecipação são mais rígidos e dificultam a ocorrência de tais situações. Por isso há que ressaltar a diferença entre os requisitos de uma e outra medida.
Destarte, como as cautelares satisfativas aberram dentro da sistemática processual, não houve previsão de maiores óbices dentro do Livro destinado à sua disciplina no CPC, mesmo porque não se alvitrava sua existência. Os requisitos para a obtenção da cautela, que como referimos melhor se definem como elementos do mérito da cautela, foram previstos tendo em vista que os provimentos cautelares destinar-se-iam a resguardar a eficácia de outro processo, sem contudo implicar adiantamento dos efeitos deste processo. Logo, as providência práticas obtidas com a cautela jamais tomariam a gravidade de uma antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Ainda que na prática as medidas cautelares pudessem transferir a posse ao requerente da medida, o título a que estaria nele seria o de depositário, o que é bem diferente de ter posse a título de antecipação de efeitos de um processo. Em síntese, a disciplina do processo cautelar não previa que com base nesta espécie de tutela se fosse pleitear providência de tamanha gravidade como seja a antecipação dos efeitos da tutela. Por isso, não prevê, a disciplina das cautelas, limitações frente a irreversibilidade dos efeitos, nem quanto á aplicação de princípios da execução específica. O instituto cautelar não foi estruturado para comportar uma providência de tamanha gravidade.
Para a antecipação de tutela, previu o legislador, atentando para a gravidade que representa, uma postergação do contraditório associada à obtenção da tutela pretendida em alguns de seus efeitos, uma série de requisitos bem mais rígidos do que previra para a cautela. Permitida a cautela satisfativa teremos dois remédios de função igual com requisitos diferentes e destinados a mesma situação. As conseqüências e a possibilidade deste quadro é o que iremos ver adiante.
9- Subsistem as Cautelares Satisfativas?
A pergunta em epígrafe representa o núcleo de nossa abordagem. É exatamente a sua resposta que buscamos. Pois bem, respondendo, não titubearemos em afirmar que a resposta há de ser um rotundo não, e os motivos passamos a expor.
Primeiramente as mais comezinhas regras de lógica jurídica nos dizem que os remédios anômalos só têm vida porquanto subsistir a anomalia que os impõe. È claro que se o legislador prevê expressamente acerca de determinada matéria está afastando a invocação de tratativas outras acerca desta mesma matéria. Ora se há um princípio de que lex postriori deroogat lex priori, com muito maior razão se há de aplicar este princípio quando lei vem disciplinar coisa que sequer estava em lei anterior, pelo contrário resultava da tolerância da aplicação de uma disciplina que fora estruturada para fim totalmente diverso. Mas não bastam estas considerações simples. É preciso ir adiante para observarmos o quão descabida é a subsistência de cautelares com função satisfativa.
Como temos dito ao longo desta nossa breve análise, o processo brasileiro e de um modo geral todos os sistemas processuais de inspiração romano-canônica, tem como pedra de toque a certeza e por via de conseqüência a ordinarização do rito como método padrão para atingimento do escopo de obtenção dela. Todo e qualquer provimento que, antecipando efeitos da tutela, refoge a este figurino, ganha ares, irrefutavelmente, de uma providência excepcional e grave, que subverte a ordem natural das coisas (cognição e execução). Daí se justificar a aposição de um série de requisitos mais rígidos dos que os exigido para a obtenção da cautela. Note-se bem, o legislador sopesando a gravidade da providência a que ia dar vida, houve por bem condicioná-la a tais e quais requisitos. A admissão da cautela satisfativa, uma vez que o processo cautelar não está adstrito a os mesmos limites, tem como resultado a obtenção de um mesmo resultado sem as mesmas garantias ao demandado. Logo é evidente que não podemos trazer a lume uma providência que desborda dos requisitos legais. E o que é pior, em alguns casos poderá resultar deste processo uma imutabilidade fática que em última análise teria igual valor prático ao da coisa julgada, pois como dito, a parte tem direito à providência que resguarde especificamente seu direito sendo as perdas e danos mero sucedâneo. Além disto, a execução das perdas e danos está condicionada a existência de patrimônio. Se não houver garantia patrimonial no patrimônio do agora devedor e antes beneficiado pela providência que se viu revista, tolitur quaestio, caberá aguardar e nada mais.
É claro que este risco também existe na antecipação dos efeitos da tutela, mas neste caso, além de a lei resguardar expressamente a ocorrência, pelo menos se tem maior controle e a probabilidade de reversão do provimento antecipatório é muito menor do que o cautelar porque a antecipação, por ser baseada em prova inequívoca, atinge um maior nível de convencimento e maior probabilidade de consonância com a realidade.
Mas um outro aspecto, e este é vulgarmente descurado reside nos nefastos efeitos da admissão da tutela liminar na cautela satisfativa. Uma vez obtida a liminar cautelar satisfativa pode ocorrer o exaurimento da relação que constitui a res in judicio deducta. Como a tutela cautelar é temporária e não provisória, ou seja não está destinada a ser necessariamente substituída por uma sentença, posto que proferida em uma sentença final, e como a liminar cautelar, que também é uma possibilidade, não implica necessariamente um julgamento de matéria que será novamente retratada no julgamento de mérito da cautela, já que a liminar cautelar é sui generis porque a cautela já é prevenção em si mesma, poderá ocorrer que a concessão da liminar cautelar implique em perda do objeto do processo cautelar, e portanto teríamos uma estabilização da liminar e via de consequência, pela natureza satisfativa desta liminar e do processo cautelar em que foi proferida, a desnecessidade de processo principal.
Expliquemos com um exemplo que tivemos ocasião de presenciar concretamente. Determinada pessoa ingressa com liminar cautelar pedindo a realização de novo exame psicológico, afirmando que pleiteará em ação ordinária a anulação dos exames aos quais se submeteu. Ressumbra o caráter nitidamente satisfativo desta providência, que seria caso de antecipação de tutela e não de cautela. No entanto a liminar cautelar lhe é deferida, sendo então em novo exame que jamais poderá encontrar as condições doa anterior que é o que vale para que a igualdade dos candidatos seja preservada, aprovada. Dito candidato frequenta o curso de formação ténico -profissional e passa a exercer cargo público. Como a execução da limiar cautelar não está sujeita aos predicativos do artigo 588, e como já há uma situação consumada, o juiz ao julgar a cautelar dá pela perda do objeto da cautela, tornado desnecessário o ingresso da ação principal já que a situação de exercício do cargo está consumada por força da cautela, e o que é pior da liminar cautelar. Quer dizer que a liminar cautelar implica a perda do objeto da cautela e uma vez que a demanda toma contornos de satisfatividade, torna-se desnecessário reafirmar o conteúdo da liminar cautelar em ação principal porque a parte já obteve o resultado que queria na prática, resultado este que se consumou. Assim, em mera sede de liminar cautelar , obteria resultado equivalente na prática à tutela a ser obtida no processo principal, acautelado, e sem necessidade de movê-lo ou de sequer obter um resultado favorável no mérito da cautela.
Nota-se que o manter-se a cautelar satisfativa redunda em permitir-se franca burla à lei. Para que mover processo de conhecimento se a cautela é um caminho muito mais fácil e é possível obter resultados práticos equivalentes?. È bem verdade que no caso anterior poderia o Estado ingressar com demanda anulatória, mas já encontraria um situação consumada, o que já é, de per si, um óbice, e traria como consequência o ônus de ter de mover ação, o que antes seria um peso sobre os ombros do beneficiado pela cautela.
Estamos portanto, convencidos de que não há como sustentar a permanência das cautelares satisfativas[38]. Pensamos assim não só porque há agora um disciplina específica que determina que a antecipação de efeitos da tutela pretendida é a antecipação prevista no artigo 273 do CPC, como pelo fato de que a permanência desta teratologia implica tornar letra morta o artigo 273, na medida em que concede um remédio igualmente eficaz e mais fácil em todos os sentidos de que o jurisdicionado se valeria sem necessidade de demonstrar os requisitos mais rígidos do sobredito dispositivo de Estatuto Processual Civil Pátrio.
10- Fungibilidade?
Uma vez que se ingresse em juízo com pedido cautelar pleiteando resultado que equivale ao pedido de processo de conhecimento, correspondendo a pedido cautelar satisfativo, portanto vedado, já que o pedido deverá ser veiculado processo de conhecimento com pedido de antecipação de tutela, quid iuris? A respeitável opinião de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[39] pugna pela aplicação da fungibilidade. Data vênia, não cremos que seja caso de aplicar-se fungibilidade.
A fungibilidade é a possibilidade de conhecer de um instrumento erroneamente utilizado como se fora o correto. Não há nem nunca houve, ao menos não no direito codificado nacional, expressa previsão de fungibilidade genérica entre ações, mas específica sim, como é o caso das possessórias. Houve, no entanto, previsão de fungibilidade nos recursos quando disciplinados no antigo CPC de 1939. O artigo 810 daquele diploma previa a possibilidade de aplicação da fungibilidade recursal quando interposto erroneamente desde que ausente erro grosseiro ou má fé do recorrente. Dispositivo de igual teor não se encontra no atual CPC. Inobstante, a doutrina reconhece, seguida pela jurisprudência, a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Se nos parece que , dada a semelhança das situações, são plenamente cabíveis e invocáveis os princípios construídos à luz de uma fungibilidade recursal no caso de apreciação de fungibilidade entre ações.
Deste modo temos que os indagar se há erro grosseiro ou má fé. Mas que se há de entender por erro grosseiro? A doutrina erigida sob a vigência do antigo CPC reconhecia o erro grosseiro naqueles caos em que não houvesse uma dúvida objetiva, ou a contrario sensu naqueles casos em que a dúvida fosse subjetiva, ou seja devida a má interpretação ou aplicação do direito á espécie levada a termo pela parte ao apreciar a situação. Isto ocorreria notadamente naqueles casos em que nos defrontássemos com situações em que já houvesse jurisprudência consolidada acerca da matéria ou a comunis opinium doctorum já houvesse se manifestado por uma orientação. Nestes casos, sustentando a parte uma posição absolutamente descabida e discrepante haver-se-ia por configurado o erro grosseiro. Nos caos de má fé, a parte conhecendo a diversa interpretação doutrinária e jurisprudencial fazia uso do recurso errado com fim procastinatório ou objetivando produzir tumulto processual. Aplicados estes princípios, mutatis mutandis, às ações, veremos que no caso específico das tutelas cautelares satisfativas e antecipações de tutela não pode haver fungibilidade.
Esta negativa se torna clara na medida em que o dispositivo do artigo 273 do CPC não deixa margem à dúvidas acerca do descabimento das cautelas satisfativas. Todos os casos em que se pretenda a antecipação de efeitos da própria tutela a ser buscada em processo de conhecimento enquadram-se hoje na antecipação do artigo 273. Qualquer interpretação contrária, sustentando a manutenção das cautelas satisfativas não encontra respaldo lógico ou jurídico de nenhuma espécie e neste caso sustentar-se contra expressa , clara e incontroversa disposição legal é sem dúvida erro grosseiro. Logo estaria afastada a possibilidade de fungibilidade na medida em que se utilizar de pedido cautelar em lugar de antecipação dos efeitos da tutela constituiria insofismável erro grosseiro.
Mas não é somente este obstáculo que se levanta contra a fungibilidade. A possibilidade de obtenção de liminar cautelar inaudita altera parte por via cautelar, possibilitaria uma obtenção de antecipação dos efeitos da tutela liminarmente com os pressupostos da cautela até que eventualmente, dando pelo erro aplica-se o magistrado a fungibilidade para converter cautelar satisfativa em antecipação. Por fim, um último óbice se levanta na aplicação da fungibilidade e este é de fato intransponível. Materializa-se na impossibilidade de conversão de diferentes tutelas entre si. Não se pode pretender a conversão de execução em cautela ou conhecimento; de cautela em conhecimento ou execução e vice versa. Mas então qual é o destino do processo que ingressou indevidamente em juízo. Responderemos no próximo tópico. Porem podemos adiantar que somente uma nova relação processual poderá corrigir a cinca[40].
11- Cautelar Satisfativa e Impossibilidade Jurídica do Pedido
Três espécies de questões enfrenta o magistrado no caminho da prestação jurisdicional de mérito, que é o escopo último do processo: pressupostos processuais, condições da ação e mérito. Os pressupostos processuais dizem respeito à relação jurídica processual que é autônoma e distinta daquela que é objeto do processo. Os pressupostos processuais podem ser objetivos ou subjetivos. Os subjetivos referem-se ás partes e ao juiz. Quanto ás partes são eles a capacidade para ser parte, a capacidade para estar em juízo e a capacidade postulatória. Quanto ao juiz temos a competência e a ausência de suspeição ou impedimentos. Os pressupostos objetivos são intrínsecos e extrínsecos. Os intrínsecos dizem com as nulidades processuais. Os extrínsecos cm fatos que podem impedir a normal fluência da relação processual como é o caso da litispendência, ou da coisa julgada.
O mérito é a res in judcio deducta, o "streitgegentand" da doutrina alemã. Corresponde em nossa sistemática à lide e todo o conjunto de questões ( pontos controvertidos de fato e de direito que a compõe). Mas são as condições da ação que nos interessam mais imediatamente.
O nosso processo sofre grande influência da doutrina de Enrico Tullio Liebman, processualista italiano que esteve radicado no Brasil na década de quarenta onde solidificou sua doutrina. A doutrina de Liebman condiciona a ação às condições da ação. Se os pressupostos processuais diziam com a relação processual e o mérito com a relação objeto do processo, as condições da ação dizem respeito ao exercício do direito de ação. As teoria acerca da ação variam do abstrativismo ao concretismo, tendo como meio termo a Teoria Eclética da Ação. A independência do direito de ação do direito material ganhou corpo na célebre polêmica entre Ernest Windescheid e Theodor Muther[41]. Dagencolb e Plóz desenvolveram a Teoria Abstrata da Ação[42], desvinculando-a completamente do direito material. Existisse este último ou não, ainda assim haveria ação. Adolph Wach[43] desenvolveu a Teoria Concreta da Ação, segundo a qual somente quando fosse reconhecido o direito material haveria ação. Chiovenda a tinha como direito potestativo. Todas estas teorizações surgiram a partir do terceiro quartel do século XIX.
A Teoria Eclética da Ação[44], nomeclatura que se deve a Galeno Lacerda, procura ser o tertium geus entre o abstrativismo e o concretismo, através da introdução das condições da ação cuja presença é determinante para a verificação da existência ou não do direito do exercício da ação. Em nossa sistemática , as condições da ação são três. Na doutrina italiana, berço da teoria, uma das condições, a possibilidade jurídica do pedido é tratada como mérito[45].
As condições da ação servem de ponte entre a abstração completa e o julgamento do mérito[46]. São representadas pela possibilidade jurídica do pedido, pela legitimidade ad causam e pelo interesse. A legitimidade é comumente dita pertinência subjetiva posto que envolve considerações referentes às partes. Baseado que está nosso sistema processual sobre a noção de lide carnelutiana, a legitimação está relacionada diretamente com o direito(processual ou material) que constitui o que a doutrina alemã denomina "streitgegenstand", ou seja o objeto litigiosos do processo, que nada mais é do que a res in juditio deducta[47].
A conseqüência direta desta noção reside em que tem legitimidade em princípio quem é o titular do direito objeto da lide. Devido a esta situação temos partes sob o ponto de vista processual e partes sob o ponto de vista material. Dentre os primeiros encontram-se os terceiros interessados, os intervenientes, que embora não figurem como titulares do direito material discutido, têm, no entanto, interesse jurídico no processo. Em nosso código, baseado nas idéias de Carnelutti, estes terceiros não são partes[48]. Mas para a doutrina mais avançada, que não vê a processualístca centrada sobre a ação, mas sim na jurisdição, a noção de lide perde força, e parte é quem intervêm no processo e sofre as conseqüências diretas da prestação jurisdicional. O fato é que como diz Moniz de Aragão o conceito de parte é um dos mais atribulados do direito moderno. Ressalvam-se os casos de substituição processual, em que dado a alguém litigar em nome próprio o direito de outrem[49]
A possibilidade jurídica reside na existência, no plano abstrato, da possibilidade de pleitear-se frente ao ordenamento jurídico determinada tutela[50]. Na concepção do sincretismo imanentista, ou seja, na teoria civilista, uma vez que a cada direito corresponde uma ação ( Código Civil, art. 75), a possibilidade jurídica reside na previsão do ordenamento jurídico do direito e da possibilidade de perseguí-lo in juditio. Na concepção moderna do direito de ação a plena possibilidade de ação é a regra e portanto a possibilidade jurídica está mais relacionada à escolha da espécie de processo (Conhecimento, execução e cautelar) ou do rito (No direito civil existem mais de setenta). Significa dizer que hodiernamente, a falta de expressa previsão legal não inibe o direito de ação[51]. Mas uma vez que se vem a juízo demandar, transmutando a porção de conflito social em lide pela sua inserção no processo (rectius: na demanda), deve-se escolher o instrumento certo sob pena de carência por impossibilidade jurídica do pedido[52].
Por fim, temos o interesse processual,. Segundo o artigo 3º do CPC, "para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade". A doutrina moderna localiza no interesse processual um binômio formado pela necessidade e pela utilidade da prestação jurisdicional pleiteada[53]. A utilidade reside na obtenção de uma situação material ou processual (Interesse recursal) melhor do que a que se tem. A prestação jurisdicional deve ser capaz de, objetivamente considerada, trazer uma vantagem concreta, palpável, discernível. Se visa apenas emulação é óbvio que uma postulação judicial não pode ser aceita pois o processo e a função jurisdicional não podem ter seu prestígio e seriedade postos em cheque por mesquinharias ou por meras questões acadêmicas.
O exercício da função jurisdicional demanda uma quantia enorme de recurso e de tempo. Admitidas que fossem demandas com fim mais consultivo do que prático estaríamos jogando fora dinheiro público e precioso tempo que melhor seria destinada à tratativa de questões reais, verdadeiramente importantes. Por outro lado não podemos nos esquecer de que a avaliação da utilidade é, como dissemos objetiva. Embora não possamos perder de vista o caso concreto , não menos certo é que não podemos nos lançar em tentativa de adentrar na psiqué do demandante (Autor ou réu) para aferirmos se há interesse ou não. Podem surgir hipóteses em que embora haja interesse na visão do demandante, estejamos frente a um caso absolutamente claro de falta objetiva de utilidade. É a utilidade objetiva que interessa, considerada frente ao caso concreto. Não a utilidade subjetiva, ou melhor dizendo, aquela que reputa existir o demandante.[54]
Completando o binômio, temos a necessidade[55]. Já se disse com muito acerto que o processo é em si um mal. Com efeito, o só fato da litispendência, da incerteza, que gera o processo é sem dúvida prejudicial não só à parte mas também para a sociedade, que tem interesse em uma prestação célere e na pacificação social imediata. Por outro lado, cada demanda que vem aos pretórios representa um aumento na carga de trabalho de m sistema que está as vascas do esgotamento. Por isso, o processo judicial é, ou deve ser, a "última ratio" . Implica dizer que a sua utilização só se torna legitima quando não haja outra via, igualmente idônea, menos onerosa e mais célere, de que se pode valer o jurisdicionado antes do seu direito de ação. Não se trata de limitar pura simplesmente o direito de ação, reconhecido como direito constitucional e cláusula pétrea da Constituição (Art. 5º, inc. XXXV, e 60, § 4º), não havendo ai nenhum vestígio de inconstitucionalidade.
Trata-se sim de condicionar o acesso ao judiciário para aqueles que realmente dele precisam. A atividade jurisdicional, repise-se, é por demais dispendiosa em todos os sentidos, não só para as partes como para a sociedade, que arca com este ônus. Logo, para justificar a movimentação da máquina judiciária é preciso uma razão, um motivo plausível[56]. Não se pode exigir, por certo, que se valia o jurisdicionado de meios mais onerosos e demorados, esgotando-os par só então vir a juízo. Isto sim significaria denegação de justiça e violação do sobredito dispositivo constitucional. Mas havendo outra via, mais rápida e menos onerosa, é perfeitamente lícito frente à constituição e aos princípios de justiça, requerer-se esgote-os antes o prejudicado para só então, não logrando êxito, valer-se, com toda a razão e legitimidade, da jurisdição
Dentre estes elementos, verifica-se que o que mais de perto nos diz é a possibilidade jurídica do pedido. Com efeito, como visto, hoje a possibilidade jurídica do pedido está relacionada ao uso do instrumento correto, ou seja, com o manejo da tutela correta e do rito correto. Obviamente que a utilização de uma tutela inadequada ante a existência de outra específica e excludente configura caso de impossibilidade jurídica do pedido. As condições da ação são verificadas in status assertionis, ou seja, na conformação da narrativa da inicial, sem prejuízo de ulterior apreciação. Consequentemente, as condições da ação devem estar presentes na hipótese concreta que é trazida a apreciação judicial, mas o juízo que se faz ecerca do caso nesta fase leva em conta a conformação fática ainda como uma hipótese e não como uma realidade. Realidade só haverá após a realização da instrução probatória, se for o caso, ou da aplicação de uma cognição exauriente. O juízo que se faz na verificação das condições da ação e no mérito é idêntico abarcando os mesmo três elementos. Mas no julgamento de mérito os fatos do caso sub examine são havidos como existente ou não existentes, ao passo que no juízo acercadas condições da ação a pergunta é se o autor realmente provar estes fatos teria interesse, seria parte legítima, o pedido seria possível?
Pergunta-se: qual a conseqüência de uma das condições da ação da ação? Primeiramente é preciso que se diga que a existência das condições da ação não interferem no resultado do julgamento de mérito. A existência ou não das condições da ação tem influência indireta sobre o mérito inviabiliza um juízo acerca do mérito, mas uma vez presentes e viabilizado o julgamento de mérito, não é o fato de se ter concluído que naquele caso o autor poderia ter o direito que pleiteia, conclusão a que se chegou quando da verificação das condições da ação, que vai implicar um julgamento de procedência ipso facto . Assim podemos dizer que condições da ação e mérito estão em uma relação de conteúdo e continente no que diz respeito à matéria que apreciam, sendo o julgamento de mérito mais amplo, mas a forma com que os elementos são visto s em um e outro caso são diferentes. A ausência das condições da ação não dizem respeito, portanto ao mérito[57].
A conseqüência, respondendo à pergunta anterior, é um julgamento de carência de ação, que se enquadra entre as espécies de extinção do processo sem julgamento do mérito a teor do artigo 267, inc VI, do CPC[58]. Como não foi julgado o mérito, não se impede a propositura da demanda agora pela via correta, in casu a ação de conhecimento com antecipação de tutela, que assim como a cautelar pode ser pedida até mesmo em segundo grau[59]. Vale lembrar que as condições da ação constituem matéria imprecluível[60]. Assim sendo, ao verificar o magistrado que se trata de caso de processo de conhecimento com pedido de antecipação de tutela e que está sendo veiculado por meio de cautela, deve extinguir o feito sem julgamento de mérito, imputando os consectários legais ao autor, sem possibilidade de emenda da inicial haja vista a impossibilidade de fungibilidade entre tutelas. Ressalva-se intangível o direito do autor que poderá ingressar com o processo de conhecimento pertinente.
12- Cautelares Satisfativas Típicas e Atípicas
As cautelares podem ser típicas ou atípicas conforme estejam previstas especificamente nos dispositivos do código com especificação de procedimento e nomem iuris ou sejam provimentos tomados por via do poder geral de cautela. No que diz respeito às cautelares atípicas não resta dúvida que não subsistem mas como ficam as cautelares típicas satistafitvas? Estamos que permanecem intactas podendo-se admitir que sob o ponto de vista dogmático sejam consideradas casos de antecipação de tutela com rito especializado.
Pensamos assim porque se antes, quando da elaboração do CPC, não se cogitava de antecipação de tutela e tutela e não se cogitava da anomalia das cautelares satisfativas se entendeu que ditos provimentos teriam lugar dentre as cautelas e obedeceriam a um rito próprio, agora que há um procedimento próprio de antecipação, com muito maior razão não se pode sustentar opinião de que estejam abolidas. Mas como dito, é de se ter agora por pedidos de antecipação de rito especial. Logo, os requisitos mais rígidos previstos para a antecipação devem ser aplicados. Caso contrário, teríamos um grupo de casos que agora figuraram na antecipação de tutela aos quais se aplicariam os requisitos de cautelares, o que se afigura descabido e injustificável.
13- Panorama após a Lei 10.444. Fungibilidade?
A Lei 10.444/02, dentre outras inovações, introduziu um parágrafo 7º ao artigo 273 do CPC, estabelecendo que:"§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)". A fungibilidade aí estabelecida infirmaria o quanto já dito. Estamos que não. Note-se bem o que afirma o dispositivo: afirma que o juiz poderá deferir medida cautelar incidental se for requerida providência desta natureza sob as vestes de antecipação de tutela. Neste caso prejuízo algum há para o réu, pois, pelo contrário, o requerimento de cautela como antecipação estaria sujeito a critérios mais rígidos e a prazo maior.
Há uma situação inversa ao pedido de antecipação realizado como cautela, este sim, apto a causar prejuízo ao réu. E a autorização é para o juiz conceder medida cautelar incidente, ou seja, a medida pleiteada encontra-se fora dos casos de antecipação de tutela. A medida cautelar teria sido requerida de forma incorreta como antecipação. A nossa preocupação, como visto, dirige-se aos casos em que a antecipação é posta sob o manto da cautela, porque neste caso podem realmente advir prejuízos ao réu.
Assim, continuam em vigor as conclusões a serem tiradas da errônea utilização da cautela como via para a antecipação de tutela: o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito, não sendo admitida a fungibilidade. Esta, a teor da nova lei, admite-se somente no sentido inverso, deixando incólumes as afirmações já tecidas.
14- Conclusões.
Hoje mais do que nunca é de se reconhecer a vocação instrumental do processo sem que isto implique, contudo, negar a sua autonomia dogmático-estrutural. Como instrumento que é, o processo deve se amoldar à realidade a que se aplica, caso contrário esta fadado, como qualquer ramo do direito, a perder legitimidade , propiciando a formação de segmentos não cobertos pela tutela jurisdicional. Nesta busca incessante de acompanhar a realidade, ante a impossibilidade de se prever todas as situações pelo dinamismo crescente da sociedade moderna, algumas vezes ocorre uma disparidade entre a norma e o fato e nestes casos temos que nos valer de interpretação e adaptação para preencher estas lacunas. Entre dois males, ode subverter a estrutura e finalidade de um instituto jurídico e deixar o fato sem apreciação, prefere-se o primeiro porque menos danoso.
Há que observar, contudo, que a anomalia só persiste porquanto não se crie o instrumento adequado. No caso específico das cautelas satisfativas, o artigo 273, na redação que lhe deu a reforma processual de 1994, indubitavelmente criou um mecanismo apto a cobrir a necessidade de antecipação dos efeitos da tutela. Submeteu o legislador, atento a uma tradição arraigada em nosso sistema de prestígio dos juízos de certeza, a antecipação a uma sistemática mais rígida do que a requerida para acautela. Se certo ou errado este proceder não está em questão aqui pois legem habemus.
Afastada a necessidade de uso do instrumento anômalo pela existência de previsão específica de outro que lhe faça as vezes, não se pode tolerar a permanência das cautelares satisfativas, pena de tornarmos letra morta a dicção do artigo 273 do CPC. Frente a casos em que se veicule demanda deste teor, nada restará ao magistrado senão aplicar o artigo 267, inc. VI do CPC extinguindo o feito sem julgamento de mérito porque não há mais espaço para cautelares satisfativas no direito brasileiro. Há que valer-se o jurisdicionado do artigo 273 para a obtenção de antecipação dos efeitos da tutela e se submeter a todos os seus requisitos, ficando banida a utilização das cautelas satisfativas.
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